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Magali Simone de Oliveira

Fome de vida

Em menos de quatro horas, Suzana # Silva, 15, como gosta de ser chamada por Mariáh comeu um balde grande de pipocas de mais ou menos três quilos, um sorvete, uma barra de chocolate e um pacote de balas jujubas. Falava sem parar sobre a escola pública onde estuda e sobre as implicâncias do irmão caçula (ela tomou bomba e estuda na mesma sala que Rogério, o perturbador, como ela carinhosamente, o chama), e dos paqueras que têm.

- O mais bonito dos meus “pretendentes” se chama Jordano. Ele toca violão, tem 16 anos e canta em inglês todas as músicas do Bruno Mars. Ele é a cara do Bruno Mars. E se chama Jordano. Tem pelo menos dois anos que você não me vê pessoalmente, pelo Facebook, né? Estou namorando, mas a minha mãe não pode saber. Ela não concorda. Ela acha que eu sou muito novinha para namorar.

Fico quieta. Como sempre, as acompanho, mas tento fazer outras coisas enquanto elas vão ao cinema. Corro para Livraria, pego um livro e fico lendo. Acho importante elas terem essa sensação de independência e liberdade. Vejo que se sentem maduras. Pelo menos era assim que eu me sentia quando encontrava com as minhas amigas na adolescência. Mas dessa vez, não pude deixar de ouvir. Enquanto eu e Mariáh almoçávamos, ela saboreava o tal sorvete com pedaços de chocolate.

Como sou curiosa e intrometida – características de jornalista, eu acho – perguntei:

- Mas você já tentou falar com ela?

-Não. Mas eu sei que ela é contra. Contei para ela o namoro que outra colega está tendo e ela fechou a cara. Disse que eu não ia mais ser amiga dessa menina. Chamou a Priscila de mau exemplo. Fiquei de cara. Depois, tive que inventar que o namoro da Pri não tinha dado certo para que pudesse ser amiga dela de novo. Fico de cara. Será que ela não namorava aos 15 anos?

- Provavelmente não, respondi. Mas acho que você devia apresentá-lo à sua mãe. Como um amigo. Diga a ela que é seu amigo. Deixe-a conhecê-lo. Quem sabe ela não percebe que ele é gente boa e que você pode namora-lo?

- Não pensei nisso ainda. Mas estou pensando. De repente, né? Quem sabe, ela deixa? Pode até ser... Ele é lindo, sabe? Mas estou meio confusa. Tem outro, o Gustavo que lembra o Justin, Justin Bieber, que eu também acho legal. Mas esse outro eu ainda não beijei. Gosto do meu namorado, mas não sei se o amo. Mas se eu convenço a minha mãe a me deixar namorar o Léo, e depois descubro que gosto do Gustavo, ela não vai ficar me achando meio “galinha”? Aí, é capaz de não me deixar sair... Acho melhor ela não desconfiar de nada.

-Mas quem você gosta mais? Do Justin ou do Bruno Mars?

-Eu não sei. Acho que os dois não existem de verdade. O
Jordano e o Gustavo existem. Mas eu não sei se eles são de verdade também. Tem hora que eu acho que eles são muito infantis. Que se fazem de maduros só para impressionar. Por isso queria experimentar os dois. Beijar o Gustavo Justin. Ter certeza que é do Léo que gosto. E se eu ficar com o Léo me arrepender? E se eu ficar trocando de namorado? O que a minha mãe vai achar?

- Acho que ela não vai achar nada disso. Você está em uma idade que não tem que ter certeza de nada. Deve experimentar, viver, errar, acertar. É assim que a gente aprende. Sua mãe não vai querer que você se case logo. Mas é melhor contar as coisas para sua mãe, você está numa fase que ela deve participara da sua vida.

Atenta a tudo, Mariáh se aproveita da situação.

-Então quer dizer que se eu tiver um namorado posso apresentá-lo como meu amigo para que você?  Vou poder namorar, errar, viver e acertar?, questionou com um sorriso maroto nos lábios

Mordo a língua com medo de morrer envenenada. Na verdade, não sei se estou pronta para ver o meu bebê- que está mais alto que eu e usa o cabelo meio punk -. arrumar um namoradinho. Mas tenho que sustentar o que disse. Ia detestar que ela namorasse escondido. Na adolescência fiz muito isso. A minha mãe sempre sabia dos meus namoricos, mas o meu pai não os cumprimentava quando os levava em casa e por isso, eu simplesmente os escondia dele.

- Com certeza. Claro que pode. Você tem um namoradinho?, pergunto com medo, muito medo da resposta, mas tentando me fazer de natural.

- Não. Tenho um melhor amigo, responde estourando de rir. E vou levá-lo em casa e apresentá-lo para você.

- Tudo bem, sou obrigada a dizer.

As duas explodem em risadas. Sinto-me idiota. Vou com as duas comprar os ingressos do cinema. Suzana# Silva compra então o gigantesco balde de pipocas com o desenho do ator principal do filme Thor. Antes que eu despeça das meninas e vá para o meu cantinho na livraria, sou obrigada a ouvir:

- Tira, tira a foto desse balde de pipocas do Thor.  Mariáh você acredita que a  minha amiga, Rosana, que mora em São Paulo teve a coragem de dizer que sonha em se casar com o Thor, véio! (Odeio essa gíria).

- Como assim. Se casar com o Thor? Ele não existe?

- Pois é, véi. Ela acha que existe. E quer se casar com ele. Tira, tira a foto. Vou mandar pelo facebook e marcá-la. Vou escrever assim: Rosanaaaaa, tô comendo o Thor.kkkkkkkkkkkkkk. De verdade. Véi, ela vai ficar irada.

Elas entram no cinema.Deixo-as sozinhas. Suzana compra a barra de chocolates, refrigerantes e o tal balde de pipocas e balas jujubas. Mariáh compra um drops e um refrigerante. Quando retorno, não há uma só pipoca, nem uma gota da bebida, nem um pedaço da barra de chocolates, ou do saco de balas jujubas, ou o drops de Mariáh.

Admirada, pergunto.

            -Nossa, vocês duas comeram isso tudo sozinhas em duas horas? Duvido que você, Suzana, como Mariáh coma verduras e legumes? Mariáh normalmente não come nada.

            - Ixi, mãe, reclama Mariáh. Lá vem você com esse papo de comida light.

            - Suzana “zoa” de mim.

- Olha tia (detesto isso de tia). Eu só como o que gosto. Minha mãe fica brava comigo, mas eu prefiro fazer o que gosto, comer o que gosto. Não gosto de ficar comendo coisas saudáveis. Eu não sou doente. Não preciso. Só faço o que quero e quero coisas boas.  Preciso energia. Vou fazer Odontologia e Medicina ao mesmo tempo.

            -Mas as duas coisas? Nossa é muito difícil. Nunca vi ninguém fazer as duas faculdades ao mesmo tempo.

            -Mas eu consigo. Dou conta. Faço várias coisas ao mesmo tempo. Sou nova. Vou ter um super consultório e vou ser muito, muito rica.

Penso calada: - nossa que menina gulosa! Come tudo isso em duas horas, quer namorar dois meninos ao mesmo tempo e fazer duas faculdades super difíceis simultaneamente.

Lembro-me de outra adolescente que era assim: eu mesma. Queria ser jornalista, professora, poeta, mãe, escritora, artista plástica. Chamando Magali, é claro que comia – e ainda como muito, mas agora, prefiro frutas. Que inveja dessa fome de vida, dessa vontade de ser várias, de ter super poderes, de fazer só o que se gosta sem culpa.

Evito pensar que se hoje eu ousar sonhar em comer tudo isso, ficarei gorda. Mas não. Suzana e Mariáh são magras. Suzana é até um pouco mais cheinha que Mariáh, mas o cabelo preto, cacheado, o corpo bem feito, as bochechas rosadas a deixam perfeita. Ela é jovem. Cheia de sonhos. Pode querer engolir o mundo todo, sem medo das terríveis calorias. Ela não sabe o que é encontrar rugas e cabelos brancos. Não tem contas a pagar. Tem sonhos. E os sonhos dão à Suzana e Mariáh asas que, nós, as mães, não temos mais.

Trocamos as certezas, os sonhos pelo medo. Pela culpa. E esquecemos do prazer. Por um minuto, penso que posso sim sonhar com coisas impossíveis que me façam feliz. Quem sabe ficar em dúvida entre dois namorados, entre duas profissões e entre várias guloseimas. Sem a danada da culpa que me faz tão mal e me deixa pesada como uma baleia, fazendo-me arrastar sobre um mar de dúvidas. Penso que é preciso ser jovem para ter fé. Aquela fé capaz de remover montanhas. Mas jovem por dentro.

 Então tenho vontade de conversar com a mãe de Suzana e pedir para que ela a deixe namorar o seu Bruno Mars e o seu Justin Bieber, e – mesmo sem estar preparada- torcer para que Mariáh encontre o seu príncipe ou o seus príncipes.  E para que eu encontre o meu. E que a gente possa ter fome de vida, sem medo de engordar. Apenas devorando a vida devagar, sem pressa, se lambuzando de sonhos e de certezas infundadas.

 

 

magali simone, bh da meninada, crônicas

Magali Simone de Oliveira é mestre em Letras pela UFSJ, jornalista, professora universitária, poeta, contista de textos não publicados, dona de casa e mãe de uma adolescente linda chamada Carolina.

 

* Este é um artigo autoral, que reflete as opiniões do colunista e não do veículo. O website BH DA MENINADA não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações, conceitos ou opiniões do (a) autor (a) ou por eventuais prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso das informações contidas no artigo.

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